sábado, 20 de novembro de 2010

Meu sonho não faz silêncio

Meu sonho jamais faz silêncio
E a ninguém caberá calá-lo
Trago-o como herança que me mantém desperto
Como esta cor não traduzida em versos
Pois se fariam necessários muitos e tantos versos

Meu sonho vara madrugadas
Som alto
De timbales que se arrebatam em cânticos
E trago-o como Olorum na crença
Que não me pune em pecados
Mas
Enche-me o peito grávido de esperanças
Como malungos marchando ao sol de novembro
Subindo as serras
Defesa e guerra

Meu sonho jamais faz silêncio
É a lança brilhante de Zumbi
A espada de Ogum
É o lê, o rumpi, é o rum
É a furia sem arreios
Terra farta dos anseios
Desacato, ato, sem freios

Vôo livre da águia que não cansa
Me faz erê, me faz criança

Meu sonho jamais faz silêncio
É um griot velho que me conta as lendas
De onde fisga tantas lembranças

E com ele invado chats, pages, sites
Na intimidade de corpos em dança
Perpetuando o gosto pelo correto
Meu sonho é pura herança
Rastro
Dos que plantaram, lutaram, construíram
O que não usufruo
Areia que moldada em vaso
Onde não nos cabe culpas
É lúcido ao sol dos trópicos, charqueado ao frio
É como um fio

Grita alto e bom som
Que o seio do amanhã nos pertence
Carregamos toda pressa










Meu sonho não faz silêncio
E não é apenas promessa

Planta em mim mesmo, na alma
Palmares, Palmares, Palmares
Pelo que de belo, pelo que de farto
Muitos Palmares


Carrega como o vento escritos
Versos de Jônatas, Oliveira, Colina , Semog e Cuti
Alimenta e nutre
Lembrando que esta cor me mantém desperto
E não tenho sustos

Sentinela que tange o eterno quissange
Entende a volúpia do calor que me abriga
Desfaz a mentira , destruindo a intriga

Meu sonho jamais faz silêncio
Como um Ilê Aiyê acordando a liberdade
Descobrindo amante ávido o sexo pulsante da existência
Desejo de navegar todos os mares
Comandando todas as fragatas, naves

E nos lança em um solo de Miles
Nos recria em um solo de Coltrane
Clássico como Marsalis, Jazz como Marsalis

E que nem tentem que faça silêncio
Pois voltaria gritando em um texto de Solynca
ás que completa a trinca
Torna-se um canto de Ella, Graça, Guiguio, Lecy
Gente negra, gente negra
Jamelão, mangueira
Brilho da mais brilhante estrela
Nunca se estanca, bravo se retraduz em sina

Só não lhe cabem
Crianças arrancadas da escola
Pela fome que rasga gargantas
E nos promete vê-las
Alimentadas todas, cultas
Meu sonho é uma negra criança
Que luta

Ergue Quilombos, aqui , ali
Em cada mente, em cada face
Impávidos como Palmares, impávidos Ilês
Em todos os lugares
 Meu sonho não faz silêncio
Porque feito de lida
Teimoso como esta cor
Para sempre será desperto e certo
Mais que vivo, é a própria vida.

LIMEIRA, José Carlos. In Arco Íris Negro

3 comentários:

  1. Oi Isabele fiquei emocionada com o seu comentário, é muito bom ver o carinho que tens pelo blog. Muito obrigada

    Um grande beijo e que tenhas um excelente domingo

    ResponderExcluir
  2. Texto maravilhoso...
    Li e reli e não achei outra palavra para escrever...Bjos achocolatados

    ResponderExcluir
  3. "De timbales que se arrebatam em cânticos
    E trago-o como Olorum na crença
    Que não me pune em pecados
    "
    adorei o poema e os versos sobre Olorum, Deus dos Deuses, vivo em Santo Amaro, perto de Cachoeira as duas cidades são berço das religiões de matrizes africanas...
    Ps- Pode colocar o texto sobre o Monteiro, valeu

    ResponderExcluir