domingo, 13 de junho de 2010

Moisés

Poderia estar blogando hoje para falar da noite bonita dos namorados, do frio que anda fazendo no Rio, do domingo que é sempre inspirador e melancólico... Mas o que anda me coçando por esses dias é um caso que ocorreu no mês passado na câmara dos vereadores de Nova Iguaçu, e veio se revelar esta semana.

Moisés, 38 anos, um merendeiro escolar que trabalha numa empresa que presta serviços à prefeitura da minha cidade, está há dois meses sem receber seu salário. Interessado em tomar conhecimento e lutar pelos seus direitos foi assistir a uma sessão na câmara dos vereadores (local público onde os cidadãos têm o direito de entrar), onde a questão do atraso em seu pagamento seria discutida. Como de costume, sendo ele um representante da sua categoria trabalhista, Moisés levou uma pequena câmera para filmar a sessão e poder mostrar aos colegas de trabalho, cujos destinos estavam sendo decididos.

O rapaz nem chegou a filmar a sessão, por falta de ângulo, porém os vereadores Marcos Fernandes (DEM) e Thiago Portela (PPS) acharam estranho o fato de Moisés estar observando o local com uma câmera na mão, e levaram as imagens do circuito interno para a delegacia, acusando o merendeiro como suspeito de uma organização criminosa.

Moisés está respondendo processo criminal.

Detalhe: Moisés é negro e estava acompanhado de duas colegas de trabalho, ambas de pele clara.

Os líderes de movimentos negros estão exigindo que os vereadores se retratem, e estes, com as caras mais lavadas do mundo, dizem que irão fazê-lo, e que só denunciaram “o caso” por terem se sentido ameaçados (???????). Como um vereador pode sentir-se ameaçado por haver um cidadão caminhando sem nenhuma arma letal em meio a plenária? Se fosse qualquer outra pessoa branca será que alguém se sentiria ameaçado? As desculpas apagarão o constrangimento que esse homem está passando no trabalho, em casa ou na rua?

Acho que esses políticos devem sim se retratar e pedir desculpas a Moisés, publicamente, mas nada vai apagar as marcas do constrangimento que este trabalhador sofreu, e provavelmente dever ter sofrido durante toda sua vida. Os políticos, que deveriam estar interessados em defender os nossos direitos de cidadãos trabalhadores e honestos, são os primeiros a advogarem em causa própria, fundamentados em todo o tipo de preconceito. Infelizmente a atitude desses sujeitos retrata a postura de muitas pessoas que, mesmo fora das “plenárias”, institui uma política de discriminação.

Somos fruto de uma sociedade colonizadora e de mente racista, educados para o preconceito. Por isso, como educadora, acredito que enquanto a lei 10.639 não for exercida da maneira que deve, situações como essas ocorrerão eternamente, dentro e fora das escolas, dentro e fora das sessões, e muitos Moisés terão de continuar a provar na “justiça” que não são bandidos, são apenas negros.

5 comentários:

  1. Oi, Isa!

    Situação lamentável. Tu tens razão em tudo que disse e assino embaixo. Para fazer a lei ser cumprida temos que exigir nossos direitos de cidadão. Muita gente não faz nada por causa da burocracia e deixa pra lá. Quando o brasileiro negro começar a exigir o tratamento de igualdade que nos é garantido pela Constituição, talvez haja mais respeito. Mesmo que o preconceito não desapareça. Acredito vai levar muito tempo pra nossa sociedade ser totalmente descontaminada.

    Mudando de assunto, com quantos graus vocês sentem frio aí no Rio de Janeiro? hehehe

    Bjs

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  2. Acho que a questão do preconceito no Brasil ultrapassa a cor da pele. O negro sofre preconceito sim, mas não necessariamente por ser negro, e sim por ser associado à pobreza. O capitalismo no Brasil é um dos mais cruéis do mundo e aqui tudo que é associado à pobreza sofre pesado preconceito: seu nome, o lugar onde vc mora, sua religião (ou falta de uma), orientação sexual, tudo que se conecta simbolicamente à noção de pobreza é visto de modo extremamente pejorativo.

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  3. Pois é Max, mas acredito que essa não seja uma luta apenas dos negros, mas de todos nós, negros ou não.
    Quanto ao frio por aqui, neste momento parece que o termômetro marca 18º, o que pra mim é absurdamente frio! Sou do sol e do calor, querido. A propósito, no início de setembro estarei aí no Sul, mas só de imaginar o friozinho que vai estar já estou começando a me arrepender...rsrsrs

    É verdade Fernando, seu comentário fez-me lembrar de uma frase ou uma música que ouvi certa vez: "Há brancos que são negros de tão pobres". Mas entre os pobres, acredito que os negros ainda saem em desvantagem, e percebo isso até mesmo entre as próprias crianças com quem trabalhei. As crianças negras eram sempre mais desvalorizadas nas relações entre elas, e como foi difícil trabalhar essa questão com os pequenos.

    Abraços e obrigada pela presença!

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  4. Concordo com vocês, Isa!
    Tanto que já escrevi defendendo cotas sociais. No post, a ideia era mostrar exatamente o que o Fernando disse sobre a questão da pobreza. Acredito que o único jeito de acabar com o preconceito é educando as crianças. Por isso, disse que nossa sociedade vai levar tempo ainda para se descontaminar.

    Isa, início de setembro estará mais quente. Mas, ainda será frio pra vocês que estão acostumados com temperaturas altas. Prepare-se bem para não se arrepender depois...rs

    Bjs

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  5. Que bacana ver este assunto sendo tratado aqui.
    Vivemos em um pais onde está fundamentado um discurso de "democracia racial", o que torna muito mais difícil combater o crime do racismo, já que ele é cruelmente intensificado por ser velado.
    Acredito que a questão racial determina a questão social, no brasil. Um negro rico, ainda que tenha muito dinheiro, certamente, não deixa de sofrer preconceito. Principalmente pq a questão racial no nosso país é de fenótipo, é de cor de pele.
    Tb acredito q a lei 10.639 seja um caminho importante para a mudança...
    Beijos, amiga! Parabéns pelo post!

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