terça-feira, 1 de junho de 2010

Pequeno Manual de Boas Maneiras ou Arte de Conviver

1. Amor
Amor se sente sem que se exija nada em troca. Nunca espere da pessoa amada a correspondência perfeita. Nunca espere que a pessoa que você ama o deseje, assim como você a deseja; o respeite, assim como você a respeita; o idolatre, assim como você a idolatra. Amores são graduais, não se sentem da mesma forma, e de qualquer modo são amor. É amor o que a pessoa diz que sente, se assim a pessoa concebe que seja. É amor o que você diz que sente, porque você conhece a si mesmo, sabe da intensidade de seus sentimentos, sabe da dor de buscar sempre um novo motivo, um novo caminho, um novo contexto para amar, perdoar, olhar com carinho, lutar pelo prazer de dar e receber, gozar e fazer gozar. Nunca pense que as pessoas sentem do mesmo jeito, sofrem do mesmo jeito, amam do mesmo jeito. Uns morrem por amor; outros matam por amor; outros ignoram, ficam indiferentes, e dizem que amam. É também amor: amor desintensificado. Mas o amor idealizado, amor que dói, que machuca, que nos faz perder o sono e o apetite, este é mais que amor: é sonho, é arte afetiva, é o próprio amor multiplicado ao extremo. É a fantasia de todos nós.

2. Interesse
É o interesse que nos mantém vivos, participativos, lutando, perseguindo. É porque há algum interesse que continuamos, percorremos a estrada. E acordamos em cada novo dia com a brutal necessidade de nos interessar por algo. Achar um novo interesse, uma nova razão para desafiar os obstáculos, superar os reveses, enfrentar o mal sempre presente. Mas cuidado! Não mostre em demasia seus interesses, caso eles não sejam passivamente aceitos. Finja quando o interesse não é aprovado socialmente. Minta se os interesses lhe podem causar algum incômodo profissional ou pessoal. Não que você deva livrar-se dos interesses: seria impossível. Você é humano e seus interesses continuarão a existir, por mais que agridam as pessoas. Mas a sociedade – todos sabem – é soberana, tem suas próprias regras, possui seu conjunto avaliativo, seus preceitos, seus critérios. E é por esses critérios que você será avaliado sempre. Analise seus interesses: persiga-os, busque-os, esconda-os se for o caso; mostre-os quando lhe for conveniente. E aprenda (por favor!) os malditos jogos da boa convivência, de acordo com o que se resolveu intitular, metaforicamente, delicadeza ou boa educação.

3. Respeito
Trata-se de um termo esvaziado semanticamente. Respeitar as pessoas significa às vezes temê-las, não ter coragem de enfrentá-las. Mas pode significar também enganá-las, mentir para elas, fingir que se concorda com elas, considerando que, em nosso mundo, discordar de alguém é ofendê-lo e a concordância entre dois universos distintos é quase sempre bastante difícil. Respeitar, desta forma, é manifestar a sua opinião se ela é favorável aos ouvintes; omiti-la se vai contra os ideais do auditório. Respeitar é inserir o discurso de acordo com as circunstâncias, observando se o contexto é ou não favorável ao que se vai dizer. Respeitar um companheiro é procurar não agredi-lo física ou verbalmente. Para tanto, faz-se mister conhecer esse companheiro: seus mistérios, suas angústias, seus medos secretos, seus antagonismos, suas neuroses, enfim, ter mentalmente uma listagem de todas as atitudes que podem magoá-lo. De posse dessa lista, a opção é a não agressão, a não violência: a fuga do constrangimento. Evitem-se os assuntos, se só interessam a você; eliminem-se os comentários, se põem em xeque a amizade de uma pessoa próxima e querida. Mas faça os comentários, se a suposta amizade não é importante para você. O desrespeito, neste caso, acaba sendo benéfico. Respeitar alguém, em síntese, é falar mal sempre por trás, nunca face-a-face. Na hipótese de você ter um coração mais nobre, causando-lhe certo desarranjo o palavrório, apenas concorde, faça seu assentimento, balance afirmativamente a cabeça. Depois tudo passa, você engolirá sua mediocridade e verá que as coisas ficarão melhores assim.

4. Paixão
Paixão é a chama sagrada que nos mantém vivos. Só se realiza obra proveitosa quando se está apaixonado... e a humanização acontece quando nos emocionamos profundamente e ficamos quentes, perdendo completamente o controle, perdendo as rédeas, expondo-nos. A paixão vence o cansaço, a doença, a fragilidade física. Quando é muito intensa a paixão precisamos apenas de um último fôlego, um último sopro de vida, alguns movimentos dolorosos a mais, para o encontro com o êxtase, o ápice do prazer – a agonia da complementação amorosa, passional (passionis). Mas é preciso cautela. Apenas em momentos muito raros se acolhe a paixão. Apenas para alguns privilegiados se admite a paixão. E quem ousar insistir, quem manifestar regularmente, publicamente, suas paixões... será considerado pecaminoso, imoral, pérfido, indecente. Portanto, sonhemos com a paixão, apaixonemo-nos, mas resguardemos nossos sentimentos. Foi-nos dado um corpo, mas não devemos sujá-lo excessivamente com outros corpos. Sentemo-nos em nossas poltronas, em nossos sofás. Continuemos a ver as novelas televisivas. Continuemos as exclamações: “Nossa! O moço tá peladinho!” “Caramba, olha a bunda da garota! Tá toda de fora!” Esqueçamos tudo isso e voltemos à nossa vida sem graça, cansada, masturbada e aborrecida. Continuemos a descontar em nossos filhos nossas frustrações, nosso tesão não correspondido. Vamos dormir.

5. Sinceridade
A sinceridade inviabilizaria completamente a existência humana. Você já pensou na hipótese de dizer tudo que pensa para as pessoas? Seria logicamente o caos e você não ficaria vivo para contar a história. Lembrando-se da linda mulher do seu amigo, você lhe confessaria o desejo de ir para a cama com ela? Você confessaria ao seu patrão que o nariz dele é um dos mais feios do planeta? Você revelaria a sua esposa quantas vezes quis fazer sexo com outras mulheres (incluindo parentes próximos)? Admitiria para o seu marido que inúmeras vezes desejou que outro, qualquer um, menos ele, estivesse em cima de você num momento de cópula? Confessaria para aquela sua amiga desinteressante que já não aguenta mais dois minutos de conversa com ela? Não, não se pode dizer nada disso. A canção popular diz que é preciso saber viver. E eu acrescento que saber viver é, em grande parte, saber mentir, saber dizer as coisas certas, na hora certa, para a pessoa certa, de acordo com os ganhos que se pretenda obter. De tudo isso se conclui, evidentemente, que a mentira é uma virtude. E se o diabo é o pai da mentira, somos todos seus filhos, e não filhos de Deus, como insistimos em proclamar nos quatro cantos do mundo. Caros amigos, que é a verdade senão um aglomerado ideológico no qual fingimos acreditar em nome de nossas conveniências? Ora, todos sabemos que a verdade só deve ser dita se não houver consequências negativas. E não é à toa que, para o adágio popular, a verdade dói. Dói principalmente para quem a proferiu. Ai daquele que insistir na verdade! Será condenado ao isolamento, ao desprezo público, ao sarcasmo, ao enxovalho. Insistindo ainda, não restará outra alternativa senão as grades de um hospício fétido. Bem-aventurados os que dominam a arte da mentira!

6. Vida
Tu sabes como é amarga a vida, como é doce a vida... Sabes à farta da Aquarela de Toquinho: da astronave que nos convida “a rir ou chorar”. Sabes também que nossos momentos são mesmo soberanos e que é inútil lutar contra eles. Vivamos, portanto. Estás triste, chora. Se alegre, sorri. Se a alegria é de fato muito intensa, pula, mostra! Porém se é implacavelmente grande a tristeza, consola-te: há ombros, há pessoas, há estrelas, existem canções, cada qual mais bela que a outra. Enganas-te quando pensas que não há pessoas de coração iluminado, que vieram à Terra para torná-la suportável. Há. Existem essas pessoas cuja alma é tão bonita que nos ofusca a vista e nos envergonha, por sermos tão feios. Procura-as no momento de dor. E elas te acariciarão, te tomarão em seus braços, te beijarão, te apertarão... e tu te tornarás novamente nobre, vivo novamente: preparado para o turbilhão de sensações que és, que somos. A vida é isto: sentir, perceber que nascemos para compartilhar, para honrar nossa essência original de ter cuidado, cuidar, cuidar de nossos entes queridos, cuidar de nós mesmos, cuidar de nossos amigos, de nossos amores, cuidar da Terra, dando-nos (a todos! a discriminação alimenta o inferno!) direito a um futuro, a um sorriso de encanto nos lábios... alguma esperança.

Fernando Vieira Peixoto Filho

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6 comentários:

  1. Ao final de cada linha a gente percebe a tua sensibilidade... Palavras-chaves que nos fazem sentir cada vez mais vivas, não só para convivermos, ter a ver com estilo de vida, caráter, caráter, humildade e transcendência!
    Adorei passar por aqui, amanhã acordarei com mais Vida!
    Até a volta!

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  2. Oi Maria! Obrigada pela visita. Mas devo lembrar-te q esse lindo texto não foi eu quem escreveu. Foi o Fernando, do Blo Lingua em transe, como está aí nos créditos...

    Bjs!

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  3. Oi Isabele,
    pesar de não ser teu você o traz aqui porque lhe é significativo e por isso mesmo disse que em cada linha te vejo e me vejo também. Nós nos identificamos comn o que lemos, somos um pouquinho de tudo o que nos rodeia. A nossa identidade vem dessas identificações só que em nós reside a misturinha que faz o diferencial, como cada caleidoscópio a luzes, suas cores e formas tem a cada movimento um quê de oriuginalidade. Beijinhos! E até o retorno!
    Maria do Rocio

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  4. Me prendo na sinceridade, tenho tanta dificulade com isso. as vezes queria que as pessoas falassem mais, que fossem mais confiantes no que dizem para mim, pois sou muito aberta, acho eu, para o que ouço. Um das grandes dificuldades que tive há pouco tempo no trabalho foi de ouvir, de quem estava mais próximo verdades sobre m eu desempenho. Sei lá acho que não tenho dificuldade em dizer o que penso, pois, ainda penso que os outros são como eu. Queria poder ouvir o que pensam e falar o que penso. Acho tão fácil isso. Tenho uma amiga que já foi minha chefe eentre sempre houve essa abertura, era muito bom. Dizíamos ali o que achavamos e bola pra frente. Uma coisa era muito erta, como eu crescia com ela. Ah, acho que é isso !

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  5. Oi Dani!

    Sinceridade é mesmo uma coisa que todos dizem querer ouvir, mas não sei se realmente seria bom ouvir TUDO o que pensam ao meu respeito, às minhas atitudes... Sei lá, não é necessariamente mentir, mas para algumas coisas penso q é melhor calar. Há verdades q machucam tanto, e as vezes nem nos faz crescer, apenas fere. Há também aquelas verdades que, apesar de doer, nos liberta. Essas sim são as verdades que devem ser ditas.
    Eu sou vista no meu grupo de amigos como "muito sincera", mas tenho trabalhado um pouquinho meu silêncio, pois tenho percebido que nem tudo preciso dizer... Acho que o blog tem um pouquinho disso tbm, as coisas que não consigo dizer facilmente, eu escrevo.

    Sei lá... "Ah, acho que é isso!" [2] rsrsrs.

    Bjinho, Flor!

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  6. Oi IsaBele,
    Obrigado pela sua visita no meu blog. Aqui estou tb e retornarei. A palavra tem a sua força quando encontramos nela nossa razão de (re)sistir.
    bjs
    Carlos Eduardo

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