sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Caso de Amor

Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que eu ando nela agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando pelas margens. Esta estrada melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo. De minha parte eu achei ela bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos. Emas passavam sempre por ela esvoaçantes. Bando de caititus a atravessavam para ir ao rio do outro lado. Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na solidão. Eu falo: deixe, deixe meu amor, tudo vai acabar. Numa boa: a gente vai desaparecendo igual quando Carlitos vai desaparecendo no fim de uma estrada… Deixe, deixe, meu amor.

BARROS, Manoel de. In: Memórias Inventadas: a infância. São Paulo: Planeta, 2003.

5 comentários:

  1. Isabele,
    Quantas pessoas passaram nesta estrada e sentimentos acompanham a trajetória, nas retas, bifurcações, curvas, quebras, abandonos, perdas, revitalizações... o belo é a companhia do Amor, diálogo necessário, emoções encontradas dentre caminhos, cotidianos, inequações, alegrias e Vida!
    Belo post a nos refletir...
    Afetuosos Abraços!

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  2. Bele, que coisa linda esse trecho do Manoel de Barros! Esse moço sabe mesmo escrever coisas bonitas, né?

    Vou compartilhar o endereço do blog de uma amiga que também fez esses recortes tão bonitos da literatura. É margaridaevioleta.wordpress.com.

    Vc tá cuidando tão bem do seu blog, né? Isso é ótimo! O meu andou abandonadinho, mas tô tentando retomar as escritas.

    Um beijinho!

    Lu

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  3. Adoro suas visitas!!

    Foi uma pena mesmo não ter podido ir no aniversário da Cris, mas era hora de estar com a família e ajudando a cidade. Ficaram todos bem, Bele, mas muitos amigos perderam suas casas. As notícias não são boas, mas com o tempo as coisas vão se reconstruindo, não é mesmo?

    Um beijão!

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