segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Carta ao Zé

Hoje acordei com uma saudade imensa de você, Zé. Tem tanta coisa que eu queria conversar contigo... Daí eu abri uma caixinha de saudades que fica no fundo do armário e encontrei um cartão teu. Tuas palavras, como sempre, sábias. Você nem foi muito além dos bancos escolares, Zé, mas é a pessoa mais inteligente que eu conheci. Eu sei que se você estivesse aqui agora, eu nem precisaria falar tanto pra te explicar o que acontece e você já entenderia, e ainda sem dizer muita coisa, você me daria algumas respostas.

Ai, Zé... Eu pensava que conforme a gente fosse crescendo e tentando aprender sobre as coisas, sobre as pessoas, a gente ia ficando mais feliz. Mas é tudo mentira, Zé, e você até tentava me alertar, querido. Quanto mais eu conheço as coisas e as pessoas, menos feliz eu vou ficando. E olha que eu conheço muita gente legal Zé, uma gente bonita que continua bonita desde aquela época. Mas também é tanta gente feia que a gente vai percebendo nesse mundo! Se você estivesse aqui, ia me dar muitos argumentos para comprovar que a humanidade ainda vale a pena; que ainda vale a pena ser bonito e ver beleza nas coisas. Eu tenho tentado, Zé, mas é difícil...

Se um dia você vier aqui, vai ver que eu voltei a escrever. É tão difícil escrever, né? E eu também me enganei com a escrita, Zé. Eu pensava que quanto mais eu fosse escrevendo, mais eu me conheceria, mais eu me entenderia. Só que quanto mais eu escrevo, Zé, mais enrolada eu me sinto, mais perdida! Daí eu fico escrevendo um monte de bobagens pra tentar explicar a bobagem anterior! E isso parece que não acaba nunca... Eu, que tinha mania de escrever e jogar tudo fora, por esses dias tomei coragem e comecei a publicar nesse blog algumas coisas, e como tem doido pra tudo, parece que há meia dúzia de pessoas que até gostam de me ler. E eu fico feliz, mas a maioria das coisas eu tenho vergonha de publicar, Zé. Ou medo, sei lá! Eu queria que você lesse esses meus escritos secretos, só você seria capaz de compreender essas loucuras da minha cabeça e me dizer alguma coisa. E tentar me explicar, já que eu mesma não consigo.

Tem dias que eu acordo com essa tristeza, Zé. Eu fico triste pensando que muita coisa podia ser diferente. Eu me entristeço com os meninos nos sinais, com as notícias do mundo. Entristeço-me ao ver a grávida sem esperança naquela barriga cheia, mas vazia. Eu fico triste de pensar nas pessoas que não compreenderam que pode haver amor verdadeiro entre dois amigos, sem que haja nenhum interesse ou segundas intenções entre eles. Eu fico triste porque eu queria sentar com você e ficar horas conversando, falando das minhas coisas e te ouvindo, e no final da conversa dar um longo abraço e ver tudo com mais clareza, e sentir o mundo mais leve.

Ainda bem que há poesia, Zé. Ela é que me salva nessas horas. Mas outro dia eu li um escrito de uma colega, que dizia que às vezes a poesia só não basta, que o amor só não basta. E eu achei bem razoável. Às vezes a nossa tristeza supera a beleza da poesia e do amor; às vezes a poesia é a própria tristeza. Mas a gente não pode deixar isso acontecer com frequência, Zé. Pode não... Precisamos ter olhos para ver beleza...

Essa noite eu tive um sonho interessante. Havia uma coisa agarrada à parede aqui de casa. Eu pensei que fosse um bicho. Uma espécie de inseto pra lá de grande para ser um inseto. Na verdade não podia ser inseto. Tinha forma de bastão, amadeirado, marfim. Eu nem sei porque, mas decidi que aquilo era um inseto, e devia ter uns 10 centímetros de comprimento e uns 3 de largura. Olha como eu sou, Zé: vejo um bichinho de 10 centímetros e acredito que ele é gigante, e fico com medo. E no meu destemperamento com o desconhecido, empurro-o para longe. Ele cai e quebra sua madeira em cacos grandes. Assim que vejo as asas negras com adornos coloridos e cintilantes tentando, em vão, bater, eu descubro que era um casulo. E eu quebrei o casulo antes do tempo, Zé. A borboleta não conseguiu voar, não conseguiu atingir sua forma mais bela e plena. E casulos nem se quebram, Zé, eles dão apenas o espaço necessário para que a borboleta aconteça, tudo ao seu tempo. Mas no sonho eu nem imaginava que seria um casulo. Eu só conseguia sentir um medo terrível e tentei me proteger, e por conta disso eu matei a borboleta.

Esse sonho me fez acordar com uma angústia danada. Meu coração estava acelerado. Sabe quando a gente é criança e faz uma coisa muito errada e o coração chega a doer de medo? Eu acordei assim... mas percebi que era apenas um sonho, e abracei o Rômulo, e o medo foi embora. Mas a angústia não passava. A borboleta pedindo pra nascer não saía da minha cabeça, Zé. E eu passei o dia todo olhando a natureza com os olhos mais atentos, e tomei cuidado para não interferir em nada. E eu queria muito falar disso com você. Hoje. Eu acho que tenho mesmo de aprender a esperar o tempo certo de voar, Zé. Tem dias que essa ansiedade não me dá paz.

Eu espero que você esteja bem de saúde, meu querido, e que a sua sobriedade sempre prevaleça nesse mundo de gente estranha. Espero também que você não tenha desistido de ser feliz, Zé. Você merece muito. Nós merecemos.

Saudades,

Isabele.

16 comentários:

  1. Poxa, ao ler emociona tanto...
    Palavras de carinho e zelo e tão sabias...
    Bjos achocolatados

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  2. Adoro cartas. A sua para Zé está belíssima.

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  3. Em primeiro lugar quero lhe agradecer pela atenção que tem com o Zé,porque o Zé quase ninguém lhe liga, é na maioria das vezes desprezado por toda a gente.
    Excelente este texto.

    deixo meu carinho,
    José.

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  4. Bom ver um Zé por aqui...

    Obrigada pela visita. Deixo carinho também...:)

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  5. Sua carta me tocou profundamente, senti que até eu, que nunca havia ouvido falar no zé, sentia sua presença, seu calor ao meu lado.
    Muitas das vezes nos sentimos assim, como você colou no texto, mais acredito que faz parte, para lembrarmos que ás vezes, esta "solitária" nos trás conhecimento, amadurecimento, e claro, mais amor em tudo.
    A falta, nos faz lembrar que muito do que julgamos não importante, são muito, muito em nossa vida.

    Obrigado pelo lindíssimo texto, e se não se importar, gostaria de fazer um post sobre seu texto no meu blog.

    beijo

    leo

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  6. ...Isa querida,
    eu vou alí chorar.
    depois venho comentar sua carta,
    porque agora o teclado sumiu.

    és linda linda, querida!

    bj

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  7. Isabele,

    Essa sua carta para o Zé ficou tão visceral que deu até vontade de receber uma carta sua... adorei! O que seria dessa vida sem poesia, tudo vira prosa, mas é com a sensibilidade dos dias que seguimos em frente.

    Ah, sobre a forma que escrevemos, sempre foi assim, desde o começo do nosso namoro. Até fiz um texto há algum tempo, em 2008, que diz: "Amor que vive em liberdade é amor contemporâneo e feito nas coxas. Como pode se sentir liberto quem vive acorrentado por esse sentimento? É amor que segura pelo pé, é amor que não mede esforço pra conseguir o que quer, é amor que faz uma vida criar paredes e vários muros altos sem deixar nada escapar."

    Beijo imenso, menina linda.

    Rebeca

    -

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  8. Isabele,

    Esse blog "Mafalda Crescida" é seu também? É que quando clico lá pra seguir seu blog, aparece esse, tem dois?

    ;)

    Outro beijo, menina linda.

    Rebeca

    -

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  9. "Eu queria que você lesse esses meus escritos secretos" saudades do teu Zé e como essa palacra nos mata ...saudade...
    Ps Obrigado pela leitura do Mais uma Dose

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  10. Vc realmente nos surpreende!!! É muito legal quando conseguimos expressar o que sentimos e sobretudo o que experimentamos, mesmo de forma tão efêmera... Ousar existir é um desafio sobrehumano, pois somos induzidos a todo tempo a nos calarmos, nos fecharmos, como se nossas idéias fossem as menos belas num jardim tão triste. Outros gostarão de ler seus pensamentos também assim como o Zé... eele o lerá. Bj, continue a nos encantar como tens feito.

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  11. Adoro missivas, a ironia de querer fuçar a vida alheia é que acabo me encontrando nas entrelinhas.

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  12. Isabele,

    Ah, esse blogger de vez em quando pira, liga não...ahahaha.

    Beijo bem grandão.

    Rebeca

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  13. Vim te deixar meu beijo...E meu carinho.
    Bjos achocolatados

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  14. Oi, Isa

    Simplesmente sensacional!!!

    "Eu quebrei o casulo antes do tempo, Zé."

    Tudo tem um tempo certo na vida, inclusive para acabar com a saudade.

    Bjs

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  15. "José" - nome bom, nome puro... Aportuguesado: "Zé"... Nome monossílabo tônico! Nome forte! Nome de quem tem amor, fome e pressa... Nome de quem está na estrada e já não pode suportar tanta mediocridade...

    Que bom que vc escreve... Porque quando vc escreve, é o seu sangue que fala...

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  16. Bele, o Zé mandou lembranças. BJS!

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