quinta-feira, 15 de julho de 2010

Blogagem coletiva: Tempos de Criança

Veríssimo, em seu texto “Vivendo e Desaprendendo”, do livro “Comédias para se ler na escola” (2001), fala das suas habilidades que foram perdidas com a adultização, coisas que independem do cansaço físico natural do envelhecimento, tais como fazer uma cola caseira, construir uma pipa ou jogar bolinhas de gude. Ele diz que a famosa frase “vivendo e aprendendo” deveria ser revista, pois na realidade vamos mesmo é vivendo e desaprendendo um monte coisas que éramos experts na infância, e não o contrário.

Ao receber o convite do Menino-homem para essa blogagem coletiva sobre tempos de infância, me remeti ao texto de Veríssimo e parei pra pensar em coisas minhas que se perderam ao deixar a infância pra trás. Porém não digo sobre essas habilidades manuais, mas sim sobre os gostos e sensações que ficaram naqueles tempos de criança.

Parece-me que, com o tempo, os cheiros da infância vão se perdendo. A rua onde fui criança nunca mais teve o mesmo cheiro daquele dia em que tiramos a rodinha da bicicleta. Meu pai me soltava e corria junto a me proteger. O cheiro do ar misturado com chão de terra, a sensação do vento soprando no rosto, o orgulho da nova conquista e o esforço pra manter o equilíbrio, se transformam em retrato dos mais belos em minha mente.

Até mesmo o cheiro do café da minha avó ficou diferente. Eu, que nunca tomei café, amava aquele cheirinho do café fresquinho varando portão afora. Era o cheiro mais gostoso pra receber a noite, pra me receber ao chegar da escola, o sabor do aconchego recebendo quem chegasse. E o gosto das coisas? Até mesmo o sabor das comidas parece ter mudado. Eu amava certos doces que hoje o paladar não mais agrada, como paçoca, maria mole... A sensação que eu tenho é que esses doces existem hoje de outra forma, com outros ingredientes, não é possível que sejam aqueles mesmos que eu me deliciava outrora!

Isso sem falar na sensação de grandeza de tudo que nos cercava: o quintal parecia imenso, a piscina de 1000 litros era um mar, e a alegria de partilhar simples momentos com outras crianças não tinha tamanho. A gente vai crescendo e tudo vai diminuindo: o quintal, a piscina, a alegria nas pequenas coisas... o tempo.

O que dói nisso é perceber que a rua continua ali, não mais de terra, mas rua. A vovó continua coando o café e fazendo suas gostosuras, e ainda me esperando chegar como se eu fosse aquela criança. As coisas em si, embora muitos digam que não, continuam ali. Talvez as crianças de hoje tenham ainda o mesmo encantamento com tudo que as rodeiam. O fato, a verdade nua e crua, é que quem mudou fui eu.

Eu fui crescendo e desaprendendo não só a fazer coisas como virar cambalhota e girar o bambolê por todo o corpo. Eu também desaprendi a sentir de certos jeitos. O olfato ficou menos sensível, a visão mais destorcida, menos encantada... Mas ainda há algo infantil cá dentro, sentimentos e sensações que, assim como uma criança, não sei explicar.

Se bem for verdade que ao envelhecermos nos tornamos crianças novamente, ainda espero, ainda busco, voltar a olhar e sentir como antes, com olhos e sensações infantis. Olhos que enxerguem mais beleza nas coisas e principalmente nas pessoas.

*Ontem, menino. Hoje, menino-homem. Parabéns pelo aniversário do blog! Parabéns por saber partilhar carinho em forma de palavra...

22 comentários:

  1. Olá Isabele!

    Esta blogagem coletiva tem nos proporcionado um momento mágico de retornarmos no tempo e resgatarmos aquilo que vivemos de mais lindo e prazeiroso em nossas infâncias. Você nos levou através dos sentidos a percorrermos o quintal da tua casa, a sentirmos o cheiro do café quentinho, quase sentimos o cheiro de maresia nos invadir, e o cheiro de chão batido trilhado por vc e seu pai,que estes sentimentos perdurem por muito e muito tempo, pois eles norteiam nosso viver.
    muito lindo e emocionante!

    Prazer de ler e conhecer o teu espaço!

    Bjs!

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  2. Publiquei um texto em "maio" em que vejo alguma associação com o tema da Blogagem Coletiva.

    É só copiar e colar este endereço: http://linguaemtranse.blogspot.com/2010/05/pueris.html

    Abçs!

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  3. Ah!... Já ia esquecendo: está virando lugar-comum dizer que vc escreve muito bem e expressa como poucos o que a gente sente. Parabéns, menina-mulher!

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  4. Bonita reflexão e Veríssimo tem toda razão...
    Abraços

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  5. "A gente vai crescendo e tudo vai diminuindo: o quintal, a piscina, a alegria nas pequenas coisas... o tempo."

    Isabele,
    a menina ainda mora em você: na palavra, no tocar o mundo, na própria imagem do seu perfil... concordo com veríssim, bem verdade que precisamos "reaprender", viver todo aquele sonho, se surpreender com o ranger das folhas, sorrir ao sentir o cheiro de chuva...

    você me faz
    ser luz
    em grande
    estilo!

    obrigado pelo carinho,
    levo no coração...

    fica com Deus!

    do homem-menino

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  6. Temos que ser adultos mas não perder o jeito de ser criança se não a vida fica envelhecida.

    Tenha um ótimo fim de semana.

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  7. Oi, Isa!

    "Lugar-comum" ou não, é preciso dizer: os seus textos estão cada vez melhores.
    Lembrei da primeira vez que andei sozinho de bicicleta. Meu primo soltou e eu não vi na hora. Quando percebi que estava sozinho, perdi o equilíbrio e fui caindo...rs. Depois, tentei de novo e aprendi.
    Não esqueço da sensação de liberdade de fazer sozinho o primeiro trajeto.
    Tenho uma vaga lembrança dos cheiros e sensações da infância e as guardo comigo, com muito carinho. Pois, acredito que não voltem mais mesmo que nos tornemos crianças ao envelhecer.

    Beijos

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  8. Isabele, o "menino-homem" tem o dom de trazer reminiscências.
    Estou seguindo você, seu testo ficou muito bonito... Tenho lido algumas coisas das pessoas que participaram da blogagem coletiva, pude perceber talento em pessoas que eu desconhecia.
    beijos, vamos nos lendo.

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  9. ...Isa querida,
    o Abraão Menino/Homem, coração de poesia
    foi a ponte para que chegássemos nas casas
    iluminadas a ponto de nos encantar com
    textos de riqueza ímpar.

    abordar o tema, voltar ao tempo de criança
    foi uma delícia porque nos proporcionou
    abrir o baú das boas lembranças de tempos
    vividos no mundo da magia.

    lendo você lembrei-me de uma passagem
    quando pedíamos a vovó para que fizesse
    para nós um delicioso doce-de-leite
    cremoso, e ela, independente de hora
    ou espaço, largava tudo que estava fazendo
    só para nos atender com amor.

    isso não tem preço...

    velhos tempos...
    deliciosas lembranças.

    beijos e obrigada pelo carinho
    lá em casa.

    amei estar aqui...

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  10. A "velha" e a "nova" infância se encontram quando conhecemos a nós mesmos verdadeiramente..belas palavras.obrigado pela visita em meu blog.

    beeeijos

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  11. Linda tua participação na festa do nosso amigo!
    Texto gostoso de ler...
    Realmente hoje as crianças quase não vivem mais a infância... Querem logo ser adultos e agem como se fossem... Foi-se o tempo da inocência verdadeira... Hoje tudo está tão explícito...
    Quase sem descobertas para elas, está tudo na cara!
    Gostei do teu espaço.

    Obrigada pela visita e palavras de carinho.

    Bjos e um final de semana de paz!

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  12. oi querida!
    que pena que crescemos, não é?
    o importante é que o tempo, em que tudo era amplo. confortável e lindo.
    se mantenha em nossos corações, e que jamais, deixemos de ser crianças.
    belo texto, linda sua participação.
    um beijo de criança!

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  13. Olá Isabele!
    =)
    Concordo e aprecio tudo o q diz.
    O olfato, a visão distorcida c/menos encantamento...
    Coisa rica, essa coletividade revivendo a infância!

    bj

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  14. Nunca deixar a criança em nós desaparecer...Este é o meu lema. Adorei tua postagem. Linda viver e de ler.
    Bjos achocolatados

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  15. Oi Isabele,
    A Menina que fui hoje me sustenta a ser quem sou. Os vidrinhos cheios de imaginação dentro, as formigas com suas folhinhas, a goiabeira, os guapés, os gansos de minha vó, as roseiras da outra, os contos, as lágrimas, o andar a pé nas ruas, as bonecas que eu queria, o balanço, o tombo de bicicleta, os gibis, as escritas, a escola... São as metáforas e as reinvenções do cotidiano, na arte do fazer e ressignificar-se.
    E assim vamos como crianças há mais tempo convivendo e aprendendo com as de há pouco.

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  16. Como está animado por aqui querida! Sugestão: O filme "O pequeno Nicolau". Bom demais. Beijos,

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  17. Obrigada a todos pela presença! Aos novos, sejam muito bem vindos e voltem sempre! Amei todos esses rostinhos por aqui!

    Abraão, muito obrigada pelo presente que vc nos deu nesse aniversário que é seu, querido! Olha quantos encontros! Você ilumina!

    Abraços em todos!

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  18. Uaau, como não descobri esse espaço antes? Fiquei encantada com tão belas palavras. Destacando a parte que diz "A gente vai crescendo e tudo vai diminuindo: o quintal, a piscina, a alegria nas pequenas coisas... o tempo." Concordo plenamente e aproveito para dar o merecido parabéns por tão linda postagem. Bjs

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  19. IsaBele

    É que todo pássaro tem que crescer pra ganhar asas e sair do ninho.Voar!
    Voar...

    Mas dentro de vc ainda vive a criança que vê tudo grande, hoje é você que é grande, que não cabe mais dentro de si.

    Acontece comigo também, mas aí , vou pra rua brincar de esconde-esconde, faço coisas que dizem: você é grande demais pra fazer isso rsrsrs

    Ao que eu respondo: Por que? Sou não! Tenho 1.68, 25 anos e todos os sonhos do mundo.Sou do tamanho certo pra brincar.rsrs

    Milhões de beijos

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  20. Obrigadas pelas visitas, viu que texto inspirador sobre Ana? Mas não fui a musa, to aguardando ainda ser a musa de alguém...

    abração

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  21. Isa

    Nossa visão modifica quando crescidos,percebo porem,que na maturidade (que é o meu caso) voltamos a nos permitir...
    (andar de bicicleta e até soltar as mãos ,numa atitude que podera parecer irreesponsavel,mas é apenas a sede do arriscar fazer viver a criança em nós)
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    Vim agradecer tanta gentileza nas palavras e todo carinho dispensado a mim

    afagos agradecidos

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