A história do boneco que sofreu preconceito dos outros brinquedos por ser preto me fez sentir emoções das mais bonitas. Eu amava tanto aquele livro, que tinha vontade de contar sua história para todo o mundo. Os anos corriam, e todas as vezes que o lia, mais entendia o significado daquilo que muitas vezes eu veria na escola, na rua, e até mesmo em casa. O senso de solidariedade e de justiça me veio cedo... Por isso este livro me marcou tanto. Nem sei se foi o primeiro, mas sem dúvida foi o que me fez amar os livros e as boas histórias. E uma das semanas mais bonitas que passei na escola, já como professora, foi quando li o livro com minha turma de crianças. Mais uma vez chorei, por toda a emoção que a história me fez lembrar.
Gostaria de dizer aqui que minha infância foi rodeada de livros com suas histórias fantásticas, mas não foi. Em minha casa mal se via os livros que era preciso comprar para a escola e o jornal de domingo. Entretanto, foram esses mesmos que me deram as pistas necessárias para o mundo que eu seguiria pelo resto da minha vida. Costumo dizer que foram os livros que me escolheram, que me chamaram. E como professora que sou, acredito que o estímulo da família contribua significativamente para a inclusão das crianças no universo literário, mas qualquer criança pobre, sem incentivo na família, é capaz de reconhecer a beleza da literatura, se apaixonar, tornar-se escritor ou simplesmente amante da leitura.
Depois do “Pretinho, meu boneco querido”, muitos outros vieram encantando e desencantando meu mundo, porque literatura é assim, descortina até aquilo que não queremos ver, mas que precisamos enxergar.
Sobre sua serventia, deixo Bartolomeu Campos Queiróz dizer:
“A literatura (arte) não é servil. Ela só existe em liberdade, e seu compromisso é para com a revelação.”
E desde então a literatura me faz revelações que eu jamais poderia imaginar, sobre mim e sobre o mundo, desde a magia das aventuras de Narizinho, os encantos e realidades dos poemas de Drummond até as histórias viscerais de Dostievski. É tudo isso que vai constituindo o que sou, e o que ainda serei.
PS. Ao menino-homem, muito obrigada por me convidar mais uma vez para sua festa. Adoro! Parabéns!