segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O Nº 1

Geralmente acho mais interessante observar o comportamento da torcida do que o dos participantes do jogo. Foi assim que numa brincadeira despretensiosa de Kart (despretensiosa para nós), fiquei na torcida a observar o orgulho de um casal acompanhando o filho, que ganhava a corrida durante boa parte do tempo. O menino passava orgulhoso perto dos pais, com o olhar sempre atento e seguro, até que dois outros carrinhos passaram a sua frente. Foi então que os pais se transfiguraram: olhares de reprovação para o filho, e de acusação para os demais. O olhar antes seguro do menino, passou a ser de medo e culpa. O terceiro lugar no ranking parecia ser vergonhoso. Enquanto a maior parte das pessoas saiam da “pista” sorrindo da dor nas costas e contando sobre a pequena aventura, o menino saiu calado, juntou-se a seus pais e foi embora, visivelmente triste e decepcionado.

Quando vejo pais depositando nos filhos desejos e interesses que são apenas seus, fico triste por eles, que não sabem reconhecer nos filhos suas reais necessidades, e o pior, sua infância. E fico ainda mais triste em ver nos olhos de uma criança uma grande tristeza por não ter atendido as expectativas daqueles que tanto ama. Pais doentes adoecem seus filhos.

Não pude deixar de me lembrar da lamentável reação do nadador César Cielo nos jogos do Pan-Pacífico, que se sentiu um fracasso por não ter ganhado ouro em sua especialidade, apesar de ter ganhado prata e bronze, além do ouro em outra modalidade. O atleta disse não ter se sentido “ele”, por não ter ganhado naquilo em que é melhor. Será que ele não sabia que, apesar de ser um fenômeno nas piscinas, ele ainda é um ser humano, e portanto, passível de erros, de vitórias e de derrotas? Onde foi parar o espírito esportivo? Ok, neste caso milhões de dólares estão em jogo, e perder não significa só perder uma competição, o que ainda assim não se justifica, mas enfim... E no caso do menino do Kart? Será que estamos todos sendo treinados apenas para ser campeão? E ser campeão é sempre chegar na frente, não importando os meios?

Em um jogo, o que para alguns é apenas uma diversão, para outros parece ser questão de vida ou morte. Para alguns, não importa o segundo o lugar, muito menos o que vir antes disso. Prazer em SER e viver não são levados em consideração, o que importa são os lucros. É valorizado quem chega primeiro, tem poder quem ganha mais votos, tem reconhecimento quem aparece mais. Triste realidade, porque basta olhar para o nosso país para se concluir que, quem chega em primeiro lugar nem sempre é o melhor. Precisamos aprender que mais importante que chegar primeiro, é o caminho percorrido. Perceber os passos da caminhada, tornando-os, muitas vezes, ponto de partida, e refletir principalmente sobre quem nós somos e onde queremos chegar, sem nunca deixar de nos perguntarmos o porquê.   

Isa Lacerda.

9 comentários:

  1. Olá Isabele!
    Olha só o valor do olhar dos pais para os filhos, quantos significados aí atravessam (se atropelam?) e os sentidos que eles dão às trilhas a percorrer. Mas, revela nesse teu recorte da realidade psicológica, a instabilidade humana dos adultos. Esses pais mostram o modelo de filho que esperam. E daí o que irá acontecer?
    Boa reflexão como a tua exige sempre de nós mais questionamentos e mudanças de paradigmas/conduta para sermos mais felizes.
    Beijinhos!!

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  2. Belle querida, eu sempre tive dificuldades com jogos competitivos, nunca me senti confortável neles. Como professora que sou, penso com você na importância de construirmos uma cultural menos hostil, pois no fundo, a competitividade acaba gerando hostilidades, desencontros, frustração. bjos,

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  3. Uma cobrança tão absurda.
    Faz com que esta criança se cobre cada vez mais a perfeição, e como sabemos que é impossivel encontra-la acaba se frustrando e não aprendendo a lidar com a perda.
    Triste isso, esses pais precisam de terapia,para que com o tempo o filho não precise.
    Bjos achocolatados

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  4. Olá meninas!

    Infelizmente vivemos sob um sistema que incentiva esse tipo de postura. Somos cada vez mais engolidos por essa sina competitiva de querer sempre ser o melhor.

    Neste capitalismo desenfreado nunca terá lugar para todos, e só alguns conseguirão atingir seus sonhos, seus objetivos materiais e financeiros. Só alguns entrarão na universidade pública, só alguns conquistarão o emprego dos sonhos... Resta-nos conseguir manter o equilíbrio e não enlouquecer, e não descontar nas crianças.

    Abraços com carinho em vocês!

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  5. Muitos pais acabam criando expectativas em relação a seus filhos e exigindo muito deles. No fundo, é como se estivessem exigindo de si próprios. Vivemos num mundo em que as aparências contam mais do que a realidade. Não basta ser, tem que parecer. Sou pai de um casal e às vezes me pego cobrando resultado deles e sei que eles também têm expectativas em relação a mim. Contudo, procuro deixá-los à vontade quanto à profissão a escolher. É claro que mostro os prós e os contras de cada atividade, sem deixar de ressaltar que o mais importante é fazer o que se gosta e estudar para aprender. Quando me mostram o boletim escolar, parabenizo-os pelo bom desempenho, instando-os a se aperfeiçoarem cada vez mais. Ressalto a eles que uma nota baixa é um mero sinal de que algo precisa ser melhorado. Tudo deve ser feito com amor e compreensão.
    Um grande abraço e parabéns pelo excelente texto.

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  6. eu nunca fui de jogos,ma shá quem ahce prazer...mas gosto de andar sozinho por aí, em um jogo comigo mesmo , com meu cansaço

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  7. Viver é um jogo
    uma grande disputa
    onde quase sempre
    saio perdendo.

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  8. Maravilhosoo! Lindo e verdadeiro seu texto. Realmente, nossa sociedade é reflexo de uma constante competição, quem é o melhor, quem tem mais, quem é isso e aquilo. Tão cansativo né? Por isso tudo, muitos de nós nos esquecemos de tornar relevante o verdadeiro motivo que nos trouxe ali e que mais importante do que o pódio, são os passos que demos para chegar até ele.
    Bjs

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  9. Oi, Isa

    Infelizmente, vivemos num sistema que nos obriga a ser competitivos. No caso do esporte de rendimento não há como fugir disso. Eu adoro participar de competições e cresci fazendo isso, mas não havia esse tipo de cobrança de nossos pais em relação a resultados.

    A atitute desses pais é lamentável e, com certeza, vai ter uma influência negativa no futuro dessa criança.

    O esporte é algo que pode ser muito prazeroso e importante na vida das pessoas, mas deve ser trabalhado de modo que auxilie na formação integral da criança, transmitindo valores como a disciplina, a solidariedade, o espírito de equipe, o respeito ao adversário e aos colegas etc. Aspectos que ultrapassam o local da competição e nos acompanham durante a vida.

    Ótimo texto, amiga!

    Bjs

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