Hoje acordei com uma saudade imensa de você, Zé. Tem tanta coisa que eu queria conversar contigo... Daí eu abri uma caixinha de saudades que fica no fundo do armário e encontrei um cartão teu. Tuas palavras, como sempre, sábias. Você nem foi muito além dos bancos escolares, Zé, mas é a pessoa mais inteligente que eu conheci. Eu sei que se você estivesse aqui agora, eu nem precisaria falar tanto pra te explicar o que acontece e você já entenderia, e ainda sem dizer muita coisa, você me daria algumas respostas.
Ai, Zé... Eu pensava que conforme a gente fosse crescendo e tentando aprender sobre as coisas, sobre as pessoas, a gente ia ficando mais feliz. Mas é tudo mentira, Zé, e você até tentava me alertar, querido. Quanto mais eu conheço as coisas e as pessoas, menos feliz eu vou ficando. E olha que eu conheço muita gente legal Zé, uma gente bonita que continua bonita desde aquela época. Mas também é tanta gente feia que a gente vai percebendo nesse mundo! Se você estivesse aqui, ia me dar muitos argumentos para comprovar que a humanidade ainda vale a pena; que ainda vale a pena ser bonito e ver beleza nas coisas. Eu tenho tentado, Zé, mas é difícil...
Se um dia você vier aqui, vai ver que eu voltei a escrever. É tão difícil escrever, né? E eu também me enganei com a escrita, Zé. Eu pensava que quanto mais eu fosse escrevendo, mais eu me conheceria, mais eu me entenderia. Só que quanto mais eu escrevo, Zé, mais enrolada eu me sinto, mais perdida! Daí eu fico escrevendo um monte de bobagens pra tentar explicar a bobagem anterior! E isso parece que não acaba nunca... Eu, que tinha mania de escrever e jogar tudo fora, por esses dias tomei coragem e comecei a publicar nesse blog algumas coisas, e como tem doido pra tudo, parece que há meia dúzia de pessoas que até gostam de me ler. E eu fico feliz, mas a maioria das coisas eu tenho vergonha de publicar, Zé. Ou medo, sei lá! Eu queria que você lesse esses meus escritos secretos, só você seria capaz de compreender essas loucuras da minha cabeça e me dizer alguma coisa. E tentar me explicar, já que eu mesma não consigo.
Tem dias que eu acordo com essa tristeza, Zé. Eu fico triste pensando que muita coisa podia ser diferente. Eu me entristeço com os meninos nos sinais, com as notícias do mundo. Entristeço-me ao ver a grávida sem esperança naquela barriga cheia, mas vazia. Eu fico triste de pensar nas pessoas que não compreenderam que pode haver amor verdadeiro entre dois amigos, sem que haja nenhum interesse ou segundas intenções entre eles. Eu fico triste porque eu queria sentar com você e ficar horas conversando, falando das minhas coisas e te ouvindo, e no final da conversa dar um longo abraço e ver tudo com mais clareza, e sentir o mundo mais leve.
Ainda bem que há poesia, Zé. Ela é que me salva nessas horas. Mas outro dia eu li um escrito de uma colega, que dizia que às vezes a poesia só não basta, que o amor só não basta. E eu achei bem razoável. Às vezes a nossa tristeza supera a beleza da poesia e do amor; às vezes a poesia é a própria tristeza. Mas a gente não pode deixar isso acontecer com frequência, Zé. Pode não... Precisamos ter olhos para ver beleza...
Essa noite eu tive um sonho interessante. Havia uma coisa agarrada à parede aqui de casa. Eu pensei que fosse um bicho. Uma espécie de inseto pra lá de grande para ser um inseto. Na verdade não podia ser inseto. Tinha forma de bastão, amadeirado, marfim. Eu nem sei porque, mas decidi que aquilo era um inseto, e devia ter uns 10 centímetros de comprimento e uns 3 de largura. Olha como eu sou, Zé: vejo um bichinho de 10 centímetros e acredito que ele é gigante, e fico com medo. E no meu destemperamento com o desconhecido, empurro-o para longe. Ele cai e quebra sua madeira em cacos grandes. Assim que vejo as asas negras com adornos coloridos e cintilantes tentando, em vão, bater, eu descubro que era um casulo. E eu quebrei o casulo antes do tempo, Zé. A borboleta não conseguiu voar, não conseguiu atingir sua forma mais bela e plena. E casulos nem se quebram, Zé, eles dão apenas o espaço necessário para que a borboleta aconteça, tudo ao seu tempo. Mas no sonho eu nem imaginava que seria um casulo. Eu só conseguia sentir um medo terrível e tentei me proteger, e por conta disso eu matei a borboleta.
Esse sonho me fez acordar com uma angústia danada. Meu coração estava acelerado. Sabe quando a gente é criança e faz uma coisa muito errada e o coração chega a doer de medo? Eu acordei assim... mas percebi que era apenas um sonho, e abracei o Rômulo, e o medo foi embora. Mas a angústia não passava. A borboleta pedindo pra nascer não saía da minha cabeça, Zé. E eu passei o dia todo olhando a natureza com os olhos mais atentos, e tomei cuidado para não interferir em nada. E eu queria muito falar disso com você. Hoje. Eu acho que tenho mesmo de aprender a esperar o tempo certo de voar, Zé. Tem dias que essa ansiedade não me dá paz.
Eu espero que você esteja bem de saúde, meu querido, e que a sua sobriedade sempre prevaleça nesse mundo de gente estranha. Espero também que você não tenha desistido de ser feliz, Zé. Você merece muito. Nós merecemos.
Saudades,
Isabele.