quarta-feira, 30 de junho de 2010

(Sobre) Peso

Ei, menina! Pra que esse guarda-chuva na bolsa? Nem está chovendo... Pra que tanta prevenção? Pra que tanta previsão? Tudo bem que as estações aqui não são nada confiáveis. Bom mesmo seria poder outonar no tempo certo, poder aguardar o verão em meio as flores. Mas também não precisas esperar tempestade de chuva o ano inteiro, não é? Tire esse peso da bolsa, menina! Já estás ficando torta de tantas tralhas que carregas! Olha só, faz o seguinte: leve aí dentro apenas o que é essencial. E te afirmo, o essencial é leve, tão leve que talvez nem precise de bolsa para carregá-lo. E se chover? Ah... Se chover, se molhe! E aproveite a terra molhada. Escreva com um graveto essa poesia que não cabe no papel.


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Smile

Para fazê-lo sorrir ela lhe deu seu melhor sorriso.
Então o leve de volta, do seu jeito, ainda que meio torto, mas feliz.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pela oitava vez, a primeira vez

Desta vez eu fiz diferente: não saí por aí anunciando aos quatro ventos, não planejei. A roupa já tinha virado uniforme de casa mesmo, então eu já estava até vestida para a ocasião. Apenas calcei o tênis e fui. Também não quis as mesmas coisas de antes: musculação, jump, natação, dança, hidro, pilates, Power bike... tudo foi tentativa frustrada. Necessitava de algo funcional à sensação que tenho depois de uma hora malhando: raiva, muita raiva. Essa história de que atividade física libera endorfina, hormônio do prazer e bem estar, não funciona comigo. Balela. Mas voltei mesmo assim. Dessa vez a escolhida foi Body combat. Talvez chutes, cotoveladas e pontapés sejam necessários ao meu estado de espírito sequencial.

Então a estreia é sempre parecida: Entro na sala, todos naquela maior intimidade, praticamente amigos de infância. Uma aula está acabando para começar a minha. Sempre tem aquelas figurinhas típicas: a gostosona com a parte de cima do biquíni exibindo o silicone, a gordinha esbaforida (essa podia até ser eu), a miss simpatia que fala alto e conhece todo mundo, o menino magricela, a senhora esticada, e garota mais ou menos normal. Ah, os grandalhões que puxam ferros ficam em outras alas.

Ao meu lado um trio de moças conversam sobre personal trainer, falam da diferença que esses profissionais fizeram em suas vidas e de como seus corpos eram antes desses deuses milagrosos. Eu ali, invisível. A aula acaba e o professor muito simpático se aproxima das meninas, conversa, faz piada, e eu ali já rezando pra alguém me dar pelo menos boa noite, querendo já ir embora. Felizmente o professor se aproxima e pergunta se é a primeira vez. “É sim professor, pela oitava vez, a primeira vez”. Ele me pergunta há quanto tempo eu estou “parada”, e fica estarrecido quando eu respondo que há dois anos. “Então você está zerada? Paradona mesmo?” “É professor... Quer dizer... Ah, às vezes eu ando na esteira, me movimento um bocado no dia a dia...” O sujeito me olhou com cara de pena, achando que zerada como eu estava, não ia conseguir participar da aula até o final. Todos me olhavam de canto de olho, incrédulos com o meu sedentarismo.

Mas eu não desanimei, afinal minha vontade de socar o vento aumentava cada vez mais. O professor disse que eu precisava de uma garrafinha d’água. 40 paus uma garrafinha na lojinha da academia, preferi comprar uma garrafinha comum de água mineral (espero) a R$1,20. Água é água. Quando volto a sala, o bonitinho diz que esqueceu os CDs do Body Combat, "então vamos fazer Jump". Ai que ódio! Eu odeio jump, tenho a sensação que vou cair daquele mini trampolim a qualquer momento. Mas não ia fazer feio aquela altura do campeonato. O professor acabou incluindo no jump alguns movimentos de Combat, e no alto da minha fúria, ao som de Black Eyed Peas, até que me saí bem: meio humilhada com a disposição da siliconada, mas cheguei até o final. E até ganhei um simpático parabéns do professor!

Saí da academia pronta com meus golpes ensaiados para atacar o primeiro ladrãozinho que viesse me assaltar. Como nada demais aconteceu no caminho de volta, cheguei a casa e acabei atacando uma colher de brigadeiro mesmo... Mas tenho fé que dessa vez a coisa se encerre pelo menos ao fim do primeiro ciclo (três meses), que já está pago.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Esse moço que estou conhecendo...

Protopoema

Do novelo emaranhado da memória, da escuridão dos
nós cegos, puxo um fio que me aparece solto.
Devagar o liberto, de medo que se desfaça entre os
dedos.
É um fio longo, verde e azul, com cheiro de limos,
e tem a macieza quente do lodo vivo.
É um rio.
Corre-me nas mãos, agora molhadas.
Toda a água me passa entre as palmas abertas, e de
repente não sei se as águas nascem de mim, ou para
mim fluem.
Continuo a puxar, não já memória apenas, mas o
próprio corpo do rio.
Sobre a minha pele navegam barcos, e sou também os
barcos e o céu que os cobre e os altos choupos que
vagarosamente deslizam sobre a película luminosa
dos olhos.
Nadam-me peixes no sangue e oscilam entre duas
águas como os apelos imprecisos da memória.
Sinto a força dos braços e a vara que os prolonga.
Ao fundo do rio e de mim, desce como um lento e
firme pulsar do coração.
Agora o céu está mais perto e mudou de cor.
É todo ele verde e sonoro porque de ramo em ramo
acorda o canto das aves.
E quando num largo espaço o barco se detém, o meu
corpo despido brilha debaixo do sol, entre o
esplendor maior que acende a superfície das águas.
Aí se fundem numa só verdade as lembranças confusas
da memória e o vulto subitamente anunciado do
futuro.
Uma ave sem nome desce donde não sei e vai pousar
calada sobre a proa rigorosa do barco.
Imóvel, espero que toda a água se banhe de azul e que
as aves digam nos ramos por que são altos os
choupos e rumorosas as suas folhas.
Então, corpo de barco e de rio na dimensão do homem,
sigo adiante para o fulvo remanso que as espadas
verticais circundam.
Aí, três palmos enterrarei a minha vara até à pedra
viva.
Haverá o grande silêncio primordial quando as mãos se
juntarem às mãos.
Depois saberei tudo.

José Saramago


(in PROVAVELMENTE ALEGRIA, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1985, 3ª Edição)


terça-feira, 15 de junho de 2010

À escritora

Eu gosto disso que você me faz. Essa urgência em te ouvir. Esse desespero de sentir em tuas linhas a essência mínima do que há em ti. Gosto de ver tuas letras dançando no papel, a dança mais bela e mais triste que já vi. Acho que gosto um pouco das coisas assim: tristes e belas, de uma beleza que só mesmo um olhar tão cheio de sentido pode dar. Então não vou mais deixar que tu fiques em silêncio, embora teu silêncio faça ainda mais barulho dentro mim. Mas é que eu sinto saudade imensa de ler a tua voz, pois suas palavras me abraçam...

domingo, 13 de junho de 2010

Moisés

Poderia estar blogando hoje para falar da noite bonita dos namorados, do frio que anda fazendo no Rio, do domingo que é sempre inspirador e melancólico... Mas o que anda me coçando por esses dias é um caso que ocorreu no mês passado na câmara dos vereadores de Nova Iguaçu, e veio se revelar esta semana.

Moisés, 38 anos, um merendeiro escolar que trabalha numa empresa que presta serviços à prefeitura da minha cidade, está há dois meses sem receber seu salário. Interessado em tomar conhecimento e lutar pelos seus direitos foi assistir a uma sessão na câmara dos vereadores (local público onde os cidadãos têm o direito de entrar), onde a questão do atraso em seu pagamento seria discutida. Como de costume, sendo ele um representante da sua categoria trabalhista, Moisés levou uma pequena câmera para filmar a sessão e poder mostrar aos colegas de trabalho, cujos destinos estavam sendo decididos.

O rapaz nem chegou a filmar a sessão, por falta de ângulo, porém os vereadores Marcos Fernandes (DEM) e Thiago Portela (PPS) acharam estranho o fato de Moisés estar observando o local com uma câmera na mão, e levaram as imagens do circuito interno para a delegacia, acusando o merendeiro como suspeito de uma organização criminosa.

Moisés está respondendo processo criminal.

Detalhe: Moisés é negro e estava acompanhado de duas colegas de trabalho, ambas de pele clara.

Os líderes de movimentos negros estão exigindo que os vereadores se retratem, e estes, com as caras mais lavadas do mundo, dizem que irão fazê-lo, e que só denunciaram “o caso” por terem se sentido ameaçados (???????). Como um vereador pode sentir-se ameaçado por haver um cidadão caminhando sem nenhuma arma letal em meio a plenária? Se fosse qualquer outra pessoa branca será que alguém se sentiria ameaçado? As desculpas apagarão o constrangimento que esse homem está passando no trabalho, em casa ou na rua?

Acho que esses políticos devem sim se retratar e pedir desculpas a Moisés, publicamente, mas nada vai apagar as marcas do constrangimento que este trabalhador sofreu, e provavelmente dever ter sofrido durante toda sua vida. Os políticos, que deveriam estar interessados em defender os nossos direitos de cidadãos trabalhadores e honestos, são os primeiros a advogarem em causa própria, fundamentados em todo o tipo de preconceito. Infelizmente a atitude desses sujeitos retrata a postura de muitas pessoas que, mesmo fora das “plenárias”, institui uma política de discriminação.

Somos fruto de uma sociedade colonizadora e de mente racista, educados para o preconceito. Por isso, como educadora, acredito que enquanto a lei 10.639 não for exercida da maneira que deve, situações como essas ocorrerão eternamente, dentro e fora das escolas, dentro e fora das sessões, e muitos Moisés terão de continuar a provar na “justiça” que não são bandidos, são apenas negros.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

E os namorados casaram-se.

POTES DE REQUEIJÃO
(Por Fabrício Carpinejar)

Eu me dei conta que tudo é exercício para estar acompanhado.

Arrumar a cama, por exemplo.

Há gente que coloca o cobertor fincado internamente nas bordas do colchão, revelando índole possessiva e ciumenta.

Há gente que deixa o cobertor solto, mostrando desapego e sociabilidade.

Há gente que nem ajeita, denunciando solidão e independência.

Vejo um temperamento nas banalidades. Eu dobro o lençol como aba de envelope sobre o cobertor. Minha avó me alertou: “Cobertor é masculino, lençol é feminino”. Faz sentido: ambos estão casados, esperando nosso olhar (o que explica que a cama se encontra curiosamente aquecida algumas vezes).

Arrumo os travesseiros com delícia porque é um ânimo a mais para namorar. Caminho de um lado a outro, concentrado. Trocar a roupa de cama é sempre reinaugurar o quarto.

Transformo a disposição do tecido num bilhete de amor. Desde a minha infância. Sou uma palavra dentro, bordada.

A solidão foi meu laboratório. Minha dança com o espelho. Cada ato, cada gesto, cada atitude insignificante representava a preparação para receber alguém. Minha solidão é tão feminina: não estranho que Cínthya não tenha surgido dela.

Quando retirava o rótulo das cervejas na adolescência não passava pela minha cabeça que participava de um curso de noivo. Na época, aquela fixação das unhas na embalagem sugeria vadiagem. Aos colegas, cheirava como isolamento. Mas era uma antecipação, já cuidava para não me atrasar ao encontro.

As garrafas da boemia me ajudaram a descolar depois o papel dos potes de requeijão. As distrações são técnicas domésticas. Ninguém me bate na ciência de não deixar adesivo no vidro. Resta limpo, luminoso, um copo ileso na prateleira.

Os casais que moram juntos não entendem o quanto são felizes. Como é fácil selar a paz dormindo na mesma cama. Uma hora vão suspirar de ternura no meio da madrugada ou esticar o braço ao longo do outro corpo e recompor a distância.

Fácil, fácil, por isso a proximidade é desprezada.

Durante o namoro, é preciso avisar, marcar hora, entrar em acordo. A conversa segue um ritmo nervoso, um atentado violento ao pudor, que logo esbarra numa reclamação e suspeita.

Tanto que os namorados, ao se encontrarem, não têm direito de trabalhar ou se isolar em seus passatempos. É um insulto. Compreendido como um desinteresse. Um dos dois se enxergará preterido, seja pela televisão, seja pelo computador.

Os casados não aparecem, estão lá, com a chance permanente de comover.

O corredor é o pressentimento do abraço. Não há urgência em finalizar um assunto, nem a obrigação de ser amoroso. É bater papo com ela enquanto toma banho, é servir café para brindar os dentes, é arrumar suas coisas para ganhar tempo.

Os casados estão despertos ao cuidado. Será simples surpreender, basta reparar que acabou a granola dela e trazer um novo pacote do mercado. Com certeza, os grãos formarão um buquê na xícara.

No namoro, qualquer mimo é previsível, uma chantagem. No casamento, toda lembrança é inesperada, uma gentileza.

Não coloquei nada fora em mim porque poderia usar como enxoval no futuro.

*Ver mais em CARPINEJAR

quarta-feira, 9 de junho de 2010

As meninas

Meu lado mais mulherzinha, romantiquinha e fashion simplesmente AMA Sex and the City!!! E finalmente consegui assistir ao 2º filme, a melhor coisa que fiz em plena terça-feira na última sessão do cinema! Saí da sala 1h da madruga, feliz por ter dado boas gargalhadas e me emocionado depois de uma temporada cinematográfica um tanto triste, confesso.

Sex and the City é um filme pra assistir com as amigas (embora eu tenha arrastado o marido mesmo, e foi até bom pra ele entender algumas das nossas “coisinhas”). Para quem acompanhou a série é um ótimo reencontro com essas moças que nos deixaram morrendo de saudades e com um arzinho meio triste no primeiro filme. Além de diversão, romance, moda e amizade, o filme também fala de escolhas, preconceito, maturidade, enfim, vale a pena! (mas vá com tempo por que é bem demoradinho...)

O filme me deixou também cheia de saudades das meninas do apê, das meninas da faculdade, do tempo em que ficávamos as madrugadas falando (e às vezes fazendo) todas as besteiras que só as mulheres entendem e conseguem. Compartilhando intimidades, sonhos e devaneios que só amigas de verdade podem compartilhar. E o que mais me encanta na série, e nas minhas amigas, é a pluralidade que se completa e se entende na formação de laços. Minhas amigas, assim como as meninas de Nova York, são todas tão diferentes umas das outras, e ainda assim conseguimos estabelecer um vínculo tão bonito de amor com nossas diferenças, que me emociono só de pensar... E é inevitável assistir à série, ou ao filme, e não me lembrar de algumas delas. Tem aquela toda conservadora como Charlotte, tem a voluptuosa como Samantha, a durona como Miranda, a moderna/romântica como a Carrie e tantos outros jeitos que se misturaram nessa trama que é a vida.

Depois de um certo tempo, com a maturidade e as escolhas se delineando, acabamos por nos distanciar um pouco, mas ainda mantemos o compromisso de nossos encontros só de meninas, e outras vezes com os meninos também. E é sempre tão bom ver que a vida vai se desenrolando e algumas pessoas vão ficando pra sempre...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Aos Namorados do Brasil

Como se aproxima o dia dos namorados(e eu adoro datas comemorativas), deixo pra vocês este belíssimo poema de Drummond.
Linda semana a todos!

Aos Namorados do Brasil

Dai-me, Senhor, assistência técnica
para eu falar aos namorados do Brasil.
Será que namorado algum escuta alguém?
Adianta falar a namorados?
E será que tenho coisas a dizer-lhes
que eles não saibam, eles que transformam
a sabedoria universal em divino esquecimento?
Adianta-lhes, Senhor, saber alguma coisa,
quando perdem os olhos
para toda paisagem ,
perdem os ouvidos
para toda melodia
e só vêem, só escutam
melodia e paisagem de sua própria fabricação?
Cegos, surdos, mudos - felizes! - são os namorados
enquanto namorados. Antes, depois
são gente como a gente, no pedestre dia-a-dia.
Mas quem foi namorado sabe que outra vez
voltará à sublime invalidez
que é signo de perfeição interior.
Namorado é o ser fora do tempo,
fora de obrigação e CPF,
ISS, IFP, PASEP,INPS.
Os códigos, desarmados, retrocedem
de sua porta, as multas envergonham-se
de alvejá-lo, as guerras, os tratados
internacionais encolhem o rabo
diante dele, em volta dele. O tempo,
afiando sem pausa a sua foice,
espera que o namorado desnamore
para sempre.
Mas nascem todo dia namorados
novos, renovados, inovantes,
e ninguém ganha ou perde essa batalha.
Pois namorar é destino dos humanos,
destino que regula
nossa dor, nossa doação, nosso inferno gozoso.
E quem vive, atenção:
cumpra sua obrigação de namorar,
sob pena de viver apenas na aparência.
De ser o seu cadáver itinerante.
De não ser. De estar, e nem estar.
O problema, Senhor, é como aprender, como exercer
a arte de namorar, que audiovisual nenhum ensina,
e vai além de toda universidade.
Quem aprendeu não ensina. Quem ensina não sabe.
E o namorado só aprende, sem sentir que aprendeu,
por obra e graça de sua namorada.
A mulher antes e depois da Bíblia
é pois enciclopédia natural
ciência infusa, inconciente, infensa a testes,
fulgurante no simples manifestar-se, chegado o momento.
Há que aprender com as mulheres
as finezas finíssimas do namoro.
O homem nasce ignorante, vive ignorante, às vezes morre
três vezes ignorante de seu coração
e da maneira de usá-lo.
Só a mulher (como explicar?)
entende certas coisas
que não são para entender. São para aspirar
como essência, ou nem assim. Elas aspiram
o segredo do mundo.
Há homens que se cansam depressa de namorar,
outros que são infiéis à namorada.
Pobre de quem não aprendeu direito,
ai de quem nunca estará maduro para aprender,
triste de quem não merecia, não merece namorar.
Pois namorar não é só juntar duas atrações
no velho estilo ou no moderno estilo,
com arrepios, murmúrios, silêncios,
caminhadas, jantares, gravações,
fins-de-semana, o carro à toda ou a 80,
lancha, piscina, dia-dos-namorados,
foto colorida, filme adoidado,,
rápido motel onde os espelhos
não guardam beijo e alma de ninguém.
Namorar é o sentido absoluto
que se esconde no gesto muito simples,
não intencional, nunca previsto,
e dá ao gesto a cor do amanhecer,
para ficar durando, perdurando,
som de cristal na concha
ou no infinito.
Namorar é além do beijo e da sintaxe,
não depende de estado ou condição.
Ser duplicado, ser complexo,
que em si mesmo se mira e se desdobra,
o namorado, a namorada
não são aquelas mesmas criaturas
que cruzamos na rua.
São outras, são estrelas remotíssimas,
fora de qualquer sistema ou situação.
A limitação terrestre, que os persegue,
tenta cobrar (inveja)
o terrível imposto de passagem:
"Depressa! Corre! Vai acabar! Vai fenecer!
Vai corromper-se tudo em flor esmigalhada
na sola dos sapatos..."
Ou senão:
"Desiste! Foge! Esquece!"
E os fracos esquecem. Os tímidos desistem.
Fogem os covardes.
Que importa? A cada hora nascem
outros namorados para a novidade
da antiga experiência.
E inauguram cada manhã
(namoramor)
o velho, velho mundo renovado.


Carlos Drummond de Andrade

sábado, 5 de junho de 2010

Receita de Homem

Parafraseando Vinícius de Moraes...

Os bonitinhos que me desculpem,
Mas conteúdo é fundamental.
É preciso que haja qualquer coisa de especial.
Um olhar, um jeito de falar, um sorriso diferente
Uma especialidade que só você vai enxergar.
Não há meio termo possível
Tem que ter atitude!
O moço deve saber o que quer
E tentar todo o tempo desvendar os mistérios da amada.
Deve ter no semblante um ar meio perdido
Mas que não lhe falte coragem de buscar os caminhos.
É preciso, é absolutamente preciso
Que tenha braços gigantes e peito confortável
Para que possa te abraçar e acolher-te as carências
De modo que não precises de mais nada quando estiveres neste abraço.
E que tenha nas mãos os segredos das mais belas carícias
E nos olhos, um ‘quê’ de pecado
E na boca, o gosto doce de beijos
E em todo o corpo, o embalo quente de todas as danças.
A pele deve ser quente
O coração também.
É preciso que saiba falar e calar nos momentos certos
Que de sua boca saiam simples poesias de amantes
Mas que nada seja ensaiado.
Que saiba surpreender nos dias comuns
Que tenha ousadia em ofertar
E humildade para receber.
Ah, que o homem deixe sempre a impressão
De que você é a única em seu mundo,
Mas também que tenha a capacidade
De fazer-te beber o fel da dúvida
Para que você também não tenha preguiça de amar.
Que te reconquiste todos os dias
Como um bravo guerreiro pronto para a batalha.
Que seja delicado, sem perder a ‘bruteza’ necessária aos diamantes.
Que seja alegre, sem ser bobo.
Que sorria, mas não todo o tempo.
Que saiba dominar e ser dominado
Sem nunca perder o sabor da liberdade.
Que ele não perca nunca,
Não importa em que mundo,
Não importa em que tempo,
Não importa em que circunstâncias,
A disposição para amar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Pequeno Manual de Boas Maneiras ou Arte de Conviver

1. Amor
Amor se sente sem que se exija nada em troca. Nunca espere da pessoa amada a correspondência perfeita. Nunca espere que a pessoa que você ama o deseje, assim como você a deseja; o respeite, assim como você a respeita; o idolatre, assim como você a idolatra. Amores são graduais, não se sentem da mesma forma, e de qualquer modo são amor. É amor o que a pessoa diz que sente, se assim a pessoa concebe que seja. É amor o que você diz que sente, porque você conhece a si mesmo, sabe da intensidade de seus sentimentos, sabe da dor de buscar sempre um novo motivo, um novo caminho, um novo contexto para amar, perdoar, olhar com carinho, lutar pelo prazer de dar e receber, gozar e fazer gozar. Nunca pense que as pessoas sentem do mesmo jeito, sofrem do mesmo jeito, amam do mesmo jeito. Uns morrem por amor; outros matam por amor; outros ignoram, ficam indiferentes, e dizem que amam. É também amor: amor desintensificado. Mas o amor idealizado, amor que dói, que machuca, que nos faz perder o sono e o apetite, este é mais que amor: é sonho, é arte afetiva, é o próprio amor multiplicado ao extremo. É a fantasia de todos nós.

2. Interesse
É o interesse que nos mantém vivos, participativos, lutando, perseguindo. É porque há algum interesse que continuamos, percorremos a estrada. E acordamos em cada novo dia com a brutal necessidade de nos interessar por algo. Achar um novo interesse, uma nova razão para desafiar os obstáculos, superar os reveses, enfrentar o mal sempre presente. Mas cuidado! Não mostre em demasia seus interesses, caso eles não sejam passivamente aceitos. Finja quando o interesse não é aprovado socialmente. Minta se os interesses lhe podem causar algum incômodo profissional ou pessoal. Não que você deva livrar-se dos interesses: seria impossível. Você é humano e seus interesses continuarão a existir, por mais que agridam as pessoas. Mas a sociedade – todos sabem – é soberana, tem suas próprias regras, possui seu conjunto avaliativo, seus preceitos, seus critérios. E é por esses critérios que você será avaliado sempre. Analise seus interesses: persiga-os, busque-os, esconda-os se for o caso; mostre-os quando lhe for conveniente. E aprenda (por favor!) os malditos jogos da boa convivência, de acordo com o que se resolveu intitular, metaforicamente, delicadeza ou boa educação.

3. Respeito
Trata-se de um termo esvaziado semanticamente. Respeitar as pessoas significa às vezes temê-las, não ter coragem de enfrentá-las. Mas pode significar também enganá-las, mentir para elas, fingir que se concorda com elas, considerando que, em nosso mundo, discordar de alguém é ofendê-lo e a concordância entre dois universos distintos é quase sempre bastante difícil. Respeitar, desta forma, é manifestar a sua opinião se ela é favorável aos ouvintes; omiti-la se vai contra os ideais do auditório. Respeitar é inserir o discurso de acordo com as circunstâncias, observando se o contexto é ou não favorável ao que se vai dizer. Respeitar um companheiro é procurar não agredi-lo física ou verbalmente. Para tanto, faz-se mister conhecer esse companheiro: seus mistérios, suas angústias, seus medos secretos, seus antagonismos, suas neuroses, enfim, ter mentalmente uma listagem de todas as atitudes que podem magoá-lo. De posse dessa lista, a opção é a não agressão, a não violência: a fuga do constrangimento. Evitem-se os assuntos, se só interessam a você; eliminem-se os comentários, se põem em xeque a amizade de uma pessoa próxima e querida. Mas faça os comentários, se a suposta amizade não é importante para você. O desrespeito, neste caso, acaba sendo benéfico. Respeitar alguém, em síntese, é falar mal sempre por trás, nunca face-a-face. Na hipótese de você ter um coração mais nobre, causando-lhe certo desarranjo o palavrório, apenas concorde, faça seu assentimento, balance afirmativamente a cabeça. Depois tudo passa, você engolirá sua mediocridade e verá que as coisas ficarão melhores assim.

4. Paixão
Paixão é a chama sagrada que nos mantém vivos. Só se realiza obra proveitosa quando se está apaixonado... e a humanização acontece quando nos emocionamos profundamente e ficamos quentes, perdendo completamente o controle, perdendo as rédeas, expondo-nos. A paixão vence o cansaço, a doença, a fragilidade física. Quando é muito intensa a paixão precisamos apenas de um último fôlego, um último sopro de vida, alguns movimentos dolorosos a mais, para o encontro com o êxtase, o ápice do prazer – a agonia da complementação amorosa, passional (passionis). Mas é preciso cautela. Apenas em momentos muito raros se acolhe a paixão. Apenas para alguns privilegiados se admite a paixão. E quem ousar insistir, quem manifestar regularmente, publicamente, suas paixões... será considerado pecaminoso, imoral, pérfido, indecente. Portanto, sonhemos com a paixão, apaixonemo-nos, mas resguardemos nossos sentimentos. Foi-nos dado um corpo, mas não devemos sujá-lo excessivamente com outros corpos. Sentemo-nos em nossas poltronas, em nossos sofás. Continuemos a ver as novelas televisivas. Continuemos as exclamações: “Nossa! O moço tá peladinho!” “Caramba, olha a bunda da garota! Tá toda de fora!” Esqueçamos tudo isso e voltemos à nossa vida sem graça, cansada, masturbada e aborrecida. Continuemos a descontar em nossos filhos nossas frustrações, nosso tesão não correspondido. Vamos dormir.

5. Sinceridade
A sinceridade inviabilizaria completamente a existência humana. Você já pensou na hipótese de dizer tudo que pensa para as pessoas? Seria logicamente o caos e você não ficaria vivo para contar a história. Lembrando-se da linda mulher do seu amigo, você lhe confessaria o desejo de ir para a cama com ela? Você confessaria ao seu patrão que o nariz dele é um dos mais feios do planeta? Você revelaria a sua esposa quantas vezes quis fazer sexo com outras mulheres (incluindo parentes próximos)? Admitiria para o seu marido que inúmeras vezes desejou que outro, qualquer um, menos ele, estivesse em cima de você num momento de cópula? Confessaria para aquela sua amiga desinteressante que já não aguenta mais dois minutos de conversa com ela? Não, não se pode dizer nada disso. A canção popular diz que é preciso saber viver. E eu acrescento que saber viver é, em grande parte, saber mentir, saber dizer as coisas certas, na hora certa, para a pessoa certa, de acordo com os ganhos que se pretenda obter. De tudo isso se conclui, evidentemente, que a mentira é uma virtude. E se o diabo é o pai da mentira, somos todos seus filhos, e não filhos de Deus, como insistimos em proclamar nos quatro cantos do mundo. Caros amigos, que é a verdade senão um aglomerado ideológico no qual fingimos acreditar em nome de nossas conveniências? Ora, todos sabemos que a verdade só deve ser dita se não houver consequências negativas. E não é à toa que, para o adágio popular, a verdade dói. Dói principalmente para quem a proferiu. Ai daquele que insistir na verdade! Será condenado ao isolamento, ao desprezo público, ao sarcasmo, ao enxovalho. Insistindo ainda, não restará outra alternativa senão as grades de um hospício fétido. Bem-aventurados os que dominam a arte da mentira!

6. Vida
Tu sabes como é amarga a vida, como é doce a vida... Sabes à farta da Aquarela de Toquinho: da astronave que nos convida “a rir ou chorar”. Sabes também que nossos momentos são mesmo soberanos e que é inútil lutar contra eles. Vivamos, portanto. Estás triste, chora. Se alegre, sorri. Se a alegria é de fato muito intensa, pula, mostra! Porém se é implacavelmente grande a tristeza, consola-te: há ombros, há pessoas, há estrelas, existem canções, cada qual mais bela que a outra. Enganas-te quando pensas que não há pessoas de coração iluminado, que vieram à Terra para torná-la suportável. Há. Existem essas pessoas cuja alma é tão bonita que nos ofusca a vista e nos envergonha, por sermos tão feios. Procura-as no momento de dor. E elas te acariciarão, te tomarão em seus braços, te beijarão, te apertarão... e tu te tornarás novamente nobre, vivo novamente: preparado para o turbilhão de sensações que és, que somos. A vida é isto: sentir, perceber que nascemos para compartilhar, para honrar nossa essência original de ter cuidado, cuidar, cuidar de nossos entes queridos, cuidar de nós mesmos, cuidar de nossos amigos, de nossos amores, cuidar da Terra, dando-nos (a todos! a discriminação alimenta o inferno!) direito a um futuro, a um sorriso de encanto nos lábios... alguma esperança.

Fernando Vieira Peixoto Filho

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